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Reforma Trabalhista fragiliza a relação de emprego.


No fim do século XIX, a greve promovida por milhares de trabalhadores nos Estados Unidos — para reivindicar a redução da jornada de trabalho de 13 para oito horas diárias — marcaria para a sempre o calendário de vários países do mundo. Foi assim que o dia 1º de maio se tornou o Dia do Trabalho, data em que atualmente se celebra a conquista de direitos e garantias para a classe trabalhadora.


Entretanto, este ano, mais de 130 anos depois, as comemorações no Brasil deram lugar novamente a manifestações e greves. Ironicamente, o objeto dos protestos de agora é uma Reforma Trabalhista que, entre outras coisas, permite a ampliação da jornada de trabalho de oito para 12 horas diárias. Em meio às mobilizações, a proposta apresentada pelo Governo Federal foi aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados e será analisada pelo Senado.


Quem atua com o Direito do Trabalho receia que o Projeto de Lei nº 6.787/2016 — do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), com uma reforma desse porte que afeta a vida de grande parte da população, seja aprovado sem um amplo e democrático debate com todos os setores envolvidos, sob risco de fragilizar o princípio da proteção mínima do trabalho e reduzir a segurança jurídica das relações de emprego no país.


Na opinião do juiz titular da 17ª Vara do Trabalho de Brasília e professor da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Henrique Blair de Oliveira, não se pode discutir mudanças desse tipo na legislação trabalhista de cima para baixo. “O correto é debater de baixo para cima, o que significa discutir com a sociedade civil e com os sindicatos. O fato é que se o sindicato representa a categoria, ele precisa ser ouvido”, lembra o magistrado.


Segundo o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, toda a reforma trabalhista deve se pautar pelo princípio do não retrocesso social. “As mudanças na Lei não podem diminuir o patamar civilizatório mínimo em matéria trabalhista, já conquistado no país”, observa. Para ele, é principalmente nos momentos de grave crise econômica que direitos e garantias do trabalhadores devem ser ampliados.


Prevalência do negociado sobre o legislado


Um dos pontos mais críticos da Reforma Trabalhista, de acordo com o juiz Paulo Blair, é a prevalência do que for negociado entre empregado e empregador sobre o que diz a lei. “É a mesma coisa que colocarmos na mesma arena de combate um lutador de boxe profissional e um corredor de final de semana”, compara. Essa é a razão pela qual, acrescenta, não se continuou no Brasil com as relações de consumo como elas eram. “Há um desequilíbrio de origem na relação individual e o trabalhador para continuar empregado vai abrir mão de tudo até não sobrar nada”, prevê.


O juiz alerta ainda que a prevalência do negociado sobre o legislado pode colocar o Brasil no patamar civilizatório de economias de países como China e Índia. “É um retrocesso enorme”, avalia Paulo Blair. Essa questão, porém, no entendimento do magistrado, esbarra nos direitos fundamentais. “Sabe quem é o encarregado de reafirmar essas garantias em tempos de crise? O Poder Judiciário. É por isso que desacreditar a Justiça do Trabalho e retirá-la da equação é arriscado”, analisa.


Geração de empregos


De acordo com o procurador-geral do Trabalho, o discurso de que reformar é necessário para salvar a economia brasileira e gerar empregos é falacioso e mentiroso. Ronaldo Fleury destaca que recentemente a Organização Internacional do Trabalho (OIT) analisou dados dos últimos 20 anos de 63 países. A conclusão do estudo é que a diminuição da proteção dos trabalhadores não estimula a criação de novos postos de trabalho e também não é capaz de reduzir a taxa de desemprego.


“Percebe-se que esse não é um mecanismo efetivo para retomar a criação de empregos no país e terá como efeito tornar a situação do trabalhador brasileiro ainda mais difícil em um momento de contexto econômico-social adverso. E o que é pior: agravará a situação econômica, pois diminuirá a renda dos trabalhadores, aumentando a miséria e a exclusão social e, por consequência, diminuirá o potencial de consumo e os níveis de crescimento econômico”, acredita o procurador.


Terceirização


A Reforma Trabalhista também consolida a Lei nº 13.429/2017, conhecida como Lei da Terceirização, que permite às empresas contratarem trabalhadores terceirizados para exercerem cargos na atividade fim, que são as principais funções da empresa. O texto da proposta de reforma trata, entre outras coisas, de demissão e recontratação de trabalhadores terceirizados.


“A terceirização existe em vários lugares do mundo. O desafio, no entanto, é como terceirizar sem precarizar a relação de trabalho. Aquele que contrata tem que ter responsabilidade pelo serviço contratado. E o pior: a terceirização é mais intensa nos trabalhos mais braçais. O que se pretende é a terceirização irresponsável. E isso não acontece nem nas relações civis de danos”, salientou o juiz Paulo Blair.


Na avaliação do procurador Ronaldo Fleury, a precarização é inevitável com essa possibilidade de terceirização da atividade fim. Hoje, de acordo com ele, a força de trabalho terceirizada já é a maior vítima de acidentes fatais, cerca de 80% do total. Eles também sofrem com piores condições de saúde e segurança no trabalho; recebem salários menores; cumprem jornadas maiores; recebem menos benefícios; permanecem menos tempo na empresa; e sofrem com a fragmentação da representação sindical.


Acesso dificultado à justiça


Com as mudanças nas leis trabalhistas, o trabalhador também terá mais dificuldades para acionar à Justiça, porque o texto torna mais rigorosos os pressupostos para uma ação trabalhista, limita o poder de tribunais de interpretarem a lei e onera o empregado que ingressar com ação por má fé.


A Reforma determina, entre outras coisas, que o trabalhador seja obrigado a comparecer às audiências na Justiça do Trabalho e arcar com as custas do processo, caso perca a ação. Hoje, o empregado pode faltar a até três audiências judiciais. Além disso, o benefício da justiça gratuita só poderá ser concedido a trabalhadores com salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.


A jurisprudência será diretamente afetada. Estima-se que seja derrubado o conteúdo de oito súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) — com interpretações favoráveis aos trabalhadores. A Reforma impõe ainda regras para a criação e alteração de súmulas pelos tribunais, por exemplo, passa a ser exigida a aprovação de ao menos dois terços dos ministros do TST. Além disso, a matéria tem que ter sido decidida de forma idêntica por unanimidade em pelo menos dois terços das turmas, em pelo menos dez sessões diferentes.


Segundo o desembargador do TRT10, Mário Caron, essas mudanças promovidas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) representam a destruição do Direito do Trabalho. “Unamo-nos pela defesa da Justiça do Trabalho, do Direito do Trabalho, que é um direito da pessoa humana”, advertiu durante ato público em defesa da Justiça do Trabalho realizado em Brasília, no dia 31 de março.


Demais mudanças


O projeto traz ainda outras alterações significativas para a vida do trabalhador no que diz respeito ao tempo de trabalho, desconsiderando atividades de descanso, estudo, alimentação, atividade social de interação entre colegas, higiene pessoal e troca de uniforme; ao contrato de trabalho intermitente, no qual o empregado é pago pelo período trabalhado; à homologação da rescisão contratual, que não é mais obrigatória de ser feita em sindicatos; ao tempo de deslocamento, que não mais será contabilizado na jornada; e ao trabalho de gestantes em ambientes considerados insalubres.


Caso as mudanças na CLT entrem em vigor, poderão ser negociados diretamente por empregados e empregadores direitos como: parcelamento das férias em até três vezes; jornada de trabalho, com limitação de 12 horas diárias e 220 horas mensais; participação nos lucros e resultados; jornada em deslocamento; intervalo entre jornadas (limite mínimo de 30 minutos); extensão de acordo coletivo após a expiração; entrada no Programa de Seguro-Emprego; plano de cargos e salários; banco de horas, garantido o acréscimo de 50% na hora extra; remuneração por produtividade; trabalho remoto; registro de ponto. Nesse caso, os contratos de trabalho terão força de lei.


(Bianca Nascimento - com informações da Agência Câmara Notícias)

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